quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Lançamento da Editora Vozes

Os limites entre a vida e a morte

A saga dos trabalhadores do tráfico de drogas nas grandes cidades. Vidas arriscadas-O cotidiano dos jovens trabalhadores no tráfico, da psicóloga Marisa Feffermann, trata do problema, mostrando depoimentos, que relatam o dia-a-dia desses jovens, marcados pela morte.



Coragem é uma das virtudes presentes no livro Vidas arriscadas-O cotidiano dos jovens trabalhadores no tráfico (Editora Vozes). Entre dois fogos cruzados, que se alimentam sob e sobre a superfície, a voz de jovens que traficam é ouvida. O cheiro de queimado, a carne chamuscada, o entrevistado que some e perde mais do que a voz, percorrem o texto que lança luz ao que a fogueira esconde: o espelho entre o mundo dito civilizado e o crime organizado; nas relações aparentemente imediatas, a mediação do esclarecimento é visível em sua face destrutiva, mas também como conciliação: a mão preocupada da família...
No entanto, o tráfico de drogas esta tão arraigado no mundo das cidades, que o envolvimento de jovens pobres nessa atividade clandestina, ilegal e mortífera, já pode ser considerado assunto banalizado na imprensa. Com essa banalização que vem a indiferença com a sorte das principais vítimas da atividade do tráfico: os jovens que arriscam sua vida por falta de opções oferecidas pela sociedade. Condenados pela exclusão social, tentam um vôo de Ícaro para transpor a barreira da invisibilidade e do descaso das políticas públicas com o seu destino.
Marisa Feffermann situa sua pesquisa na grande de São Paulo, com suas regras e linhas de comando, que diferencial do mesmo tipo de atividade no Rio de Janeiro. Ela procura evidenciar que os centros produtores das drogas, com exceção da maconha, são externos ao pais, mas as organizações e os tipos de droga são diferentes nessas duas concentrações urbanas. No caso de São Paulo, a organização que coordena as ações dos jovens é a mesma que governa as prisões estaduais: o Primeiro Comando da Capital. Criada num centro de reabilitação de prisioneiros, em Taubaté, na década de 90, ela tem seu próprio estatuto e regras para formar um caixa único no qual o tráfico participa com sua contribuição mensal, juntamente com outros recursos ilegais.
Feffermann recorreu a duas fontes principais do pensamento social e político sobre o capitalismo, para dar conta da rede internacional do tráfico de entorpecentes e ao mesmo tempo dos discursos dos jovens. Ela investigou as condições do trabalho assalariado sob o capital e as enormes desigualdades, que a acumulação tem criado, impondo a exclusão social como sua fonte alimentadora.
A realidade é bastante familiar, e não se pode negar que o tráfico de entorpecentes no Brasil envolve jovens pobres nessa atividade clandestina, além de arriscarem suas vidas, o destino deles quase sempre é praticamente o mesmo: quando não morrem nas mãos dos traficantes, acabam sendo dizimados pela polícia.
Isso conduz a dedução de que suas vidas são tão frágeis e desconhecidas, que muitas vezes não são até mesmo contados nas estatísticas sociais. Quem olhará para eles? Quais as oportunidades eles podem contar no meio social? São identificados, somente pelos apelidos e quando morrem, são simplesmente tratados como um perigo que foi encerrado.
Os jovens pertencentes às classes subalternas vivem em dupla situação de risco, vivendo uma socialização incompleta, com poucas oportunidades de integração no mercado de trabalho, o que reforça a sua baixa escolaridade, e são alvos fáceis para as drogas e o álcool, e quando são surpreendidos ao cometerem infrações, a reprimenda pode lhes custar à vida.
É relevante considerar as formas de sociabilidade dos jovens na atualidade, pois é no grupo que o jovem busca reconhecimento social, e constrói sua identidade, e é lá que se manifesta suas ilusões de consumo e de poder. O conhecimento dos grupos juvenis ligados à violência é de enorme importância.
Uma das conseqüências, da violência, que o tráfico de drogas impõem, pode ser observada como crescimento do número de homicídios entre jovens no Brasil. A análise das causas de mortalidade de jovens na década de 1991 a 2000, que permite delinear um quadro que é, há seu tempo, complexo e preocupante. E essa situação mostra-se pelos dados apresentados no Manifesto pela Violência, com base em números do IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e do Ministério da Saúde, chegando a conclusões alarmantes: 39,9% das mortes de jovens, em 2002 se devem a homicídios. Conjugados a acidentes de trânsito e suicídios, são as principais causas de morte entre os que tem de 15 a 24 anos. O Brasil é o quinto pais no ranking de homicídios de jovens.
A morte é uma das conseqüências mais constante para jovens inscritos no tráfico de drogas, na cidade de São Paulo. No entanto, o aumento dos problemas sociais, como o avanço da delinqüência, impele o sujeito a buscar responsáveis e vive-se em estado de medo, que acaba fomentando o preconceito e a intolerância. E geralmente é sobre os jovens que acaba recaindo o desdobramento desse medo, a raiva, e a sociedade procura justificar essas atitudes ideologicamente. A sociedade generaliza a situação e passa a julgar qualquer jovem pobre que vive na periferia.
No entanto, é importante frisar, contrariando crenças e preconceitos arraigados em amplos segmentos, que nem todo jovem que mora na periferia esta envolvido no tráfico de drogas. Com essas atitudes discriminatórias, acaba se criando uma ideologia, que sempre ganha reforço na chamada indústria cultural, que assimila as diferenças, e imputam ao jovem a responsabilidade pela distorção da ordem a ser mantida. A indústria cultural anuncia a existência desses jovens, ou quando morrem ou por suas atitudes espetaculosas, o que serve para reforçar o esteriótipo estabelecido para eles, todas as intenções que vão ao encontro para reafirmar esta condição são louvadas e sempre justificadas como necessidade para garantir a segurança da sociedade.
A indústria cultural, a um só tempo, contribui para formação desse preconceito e cria mecanismos para eliminar não o preconceito, mas o sujeito estereotipado. O tráfico de drogas como fenômeno político e social esta condicionado por fatores inscritos em relações visíveis ou não, que se ramificam além das fronteiras de cada pais.

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